REPORTAGEM ESPECIAL REVISTA COSTURA PERFEITA, EDIÇÃO 69
Confecções buscam soluções no país vizinho para reduzir custos.
Como diz o ditado, os incomodados que se mudem. E é isso o que muitos produtores brasileiros vêm fazendo para poder continuar se mantendo e competindo no mercado, enfraquecidos com os altos custos, como impostos e mão de obra.
Certo ou errado? Depende do contexto e do ponto de vista. “O Brasil tem todas as condições do mundo para preservar sua produção. Nos últimos dois anos, temos visto um movimento gigantesco de importações, pois os países em desenvolvimento estão importando menos e esse quadro se vira para o Brasil, drenando toda sua produção. Precisamos de uma legítima competitividade: um regime tributário que ofereça melhores condições, pois a maioria das empresas de confecção, cerca de 45 mil, está enquadrada no Simples, mas o grande faturamento está nas mãos dos grandes, que são cerca de 10%. O que acontece é que essa grande maioria tem medo de se expandir por causa dos impostos. Por isso, vão procurar produzir onde há incentivos fiscais para atrair investimentos, como o Projeto Maquila, do Paraguai, ou seja, a luz amarela está piscando, pois há uma busca por realocação de plantas produtivas em outros países. É lamentável em nosso ponto de vista, pois nosso país tem condições melhores de produção, mas deficiência nas mesmas, e isso ocuparia uma fatia de nossa produção nacional. Temos, sim, que resgatar a competitividade mais saudável nas fronteiras do Mercosul, mas sem deixar de lutar por condições no Brasil”, declara Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
Pimentel ainda atenta para o consumo de tecido brasileiro nas confecções que estão produzindo no Paraguai, pois a produção nacional está prejudicada, apesar dos esforços da presidenta Dilma em busca de soluções. “O que não pode haver é a triangulação: produzir fora do Brasil e ainda com produtos asiáticos.”
Além dessa, há outra questão: a diplomática. Como ficou a relação do Brasil com o Paraguai após o impeachment de seu presidente, Fernando Lugo, em junho deste ano, e o afastamento temporário daquele país do Mercosul?
O novo presidente do Paraguai, Federico Franco, declarou, logo que assumiu o cargo, que não acreditava que o Brasil poderia lhes aplicar uma sanção comercial, já que os mais afetados seriam os próprios brasileiros, que têm investimentos em parte de seu país. E ele não estava errado. Ainda não há nenhum pronunciamento formal do governo paraguaio a respeito de mudanças nas relações comerciais entre os dois países, apesar da insegurança que se instala diante de um governo novo. Mas, para Fernando Pimentel, há uma grande expectativa de que as vantagens mudem nas eleições presidenciais paraguaias em 2013.
Rogério Borges Schwanck, consultor máster na área de Desenvolvimento de Projetos para Cooperação Técnica para a América Latina e diretor-associado do Instituto Horos, voltado ao desenvolvimento de projetos na América Latina, diz que é importante entender que a suspensão temporária do Paraguai no Mercosul é apenas política, não comercial, e que esse relacionamento continua exatamente o mesmo. “Quanto à confiabilidade dos investimentos por parte de empresários brasileiros, é normal o sentimento de desconforto, mas isso não tem sido observado nos investidores, que continuam procurando o Ministério de Indústria e Comércio do Paraguai em busca de informações sobre a apresentação de projetos. Do lado do governo paraguaio, o país continua aberto a novos investimentos e, do lado do governo brasileiro, não vejo na prática que exista algum tipo de desincentivo quanto aos investimentos externos”, diz Schwanck. Essa informação é confirmada pelo diretor-presidente do Braspar – Centro Empresarial Brasil-Paraguay, Wagner Enis Weber. “Comercialmente, nada mudou. O Paraguai preserva todos os direitos econômicos com os demais sócios, e isso tem uma razão de ser. Em 2011, o Paraguai foi o sétimo maior importador de manufaturados brasileiros em todo o mundo (US$ 2,78 bilhões) e o Brasil teve um superávit comercial com o Paraguai de US$ 2,2 bilhões, ou seja, 11% de todo nosso superávit veio do comércio com os paraguaios”, explica Weber.
Ele salienta que o Paraguai continuará sendo muito importante para o Brasil, inclusive no mercado interno. Entre 1973 e 2011, o Paraguai teve um crescimento econômico médio de 7,2% ao ano. “É cada vez um mercado mais importante para nossas indústrias, que não têm muita competitividade em outros países. Isso só é possível com o Mercosul, e ninguém é louco nem irresponsável de deixar de fora do bloco um país que cresce a essas taxas. É um mercado importante para nós”, diz.
Wagner Weber ainda revela outro fato: depois desse afastamento do Paraguai do Mercosul, a relação comercial com o Brasil até aumentou, inclusive em relação às confecções. Ele diz que muitas empresas brasileiras instaladas no Paraguai estão começando sua produção agora ou aumentando essa capacidade. “Inclusive, o governo brasileiro tem facilitado mais as importações de lá, e o Braspar vem aproveitando a crise para incentivar os empresários paraguaios a aumentar suas importações do Brasil, em substituição aos fornecedores argentinos.”
AFINAL, O QUE É O PROJETO MAQUILA?
O Projeto Maquila, mais conhecido como Lei de Maquila, é uma lei paraguaia (Lei 1.064, Decreto 9585/00) criada com o objetivo de industrializar o Paraguai por meio de exportações, ou seja, uma legislação de drawback com incentivos ampliados, para diversos setores. Seu objetivo é promover o estabelecimento e regular as operações de empresas industriais montadoras que se dediquem total ou parcialmente a realizar processos industriais ou de serviços que incorporem mão de obra e outros recursos nacionais destinados a transformação, elaboração, conserto ou montagem de mercadorias de procedência estrangeira, importadas temporariamente para efeito de “reexportação” em execução de um contrato subscrito com uma empresa domiciliada no estrangeiro.
Schwanck explica: “Firma-se uma aliança com uma empresa paraguaia, que pode ser filial da empresa brasileira ou uma empresa paraguaia já existente e, por meio de um contrato de maquila, realiza-se o processo de maquilação. Exemplificando: no caso das confecções, o empresário brasileiro abre uma empresa no Paraguai, importa matéria-prima de qualquer lugar do mundo, processa e termina o produto no Paraguai, exportando para o Brasil ou para qualquer outro país”.
Weber, do Braspar, ressalta que a importação de matéria-prima e bens de capital pode ser de qualquer lugar do mundo, sem nenhum imposto. O produto é processado internamente, no Paraguai, com um imposto único, incluindo IRPJ, de 1% sobre o valor agregado naquele país, com a obrigatoriedade de exportar a produção. Nesse caso, temos dois personagens: a matriz, empresa localizada no exterior, que faz a ordem de compra; e a maquiladora, empresa instalada no Paraguai, encarregada da produção industrial para a matriz. E ainda há um coadjuvante: os subcontratados, conhecidos como “submaquiladores”, prestadores de serviços às maquiladoras. “Todos nessa cadeia – maquiladora e submaquiladora – possuem as mesmas isenções fiscais. Por exemplo, uma confecção brasileira no Paraguai (maquiladora) contrata uma indústria local de tecidos para cumprir a produção, todos trabalham com a mesma isenção de imposto. O Paraguai é o único país que pode dar ao Brasil a possibilidade de nossas indústrias reduzirem sensivelmente seus custos de produção para competirem em nosso próprio mercado interno com os chineses. Essa é uma das razões pelas quais, apesar da crise política que se instalou, os dois países continuam aumentando seus negócios, inclusive com mais facilidades que antes”, explica ele.
Mas atenção: para realizar a maquila, é necessária a apresentação de um projeto em que se detalha todo o fluxo de produção e insumos a serem utilizados, bem como a destinação dos resíduos, como lembra Schwanck, do Instituto Horos. “Alguns empresários nos procuram e pensam que fazer a maquila e cumprir todos os seus requisitos é algo simples, mas na realidade não é. Ela exige planejamento, controle de produção e cálculo de vendas, fatores gerenciais que sabemos ser deficitários em muitas das micros e pequenas empresas brasileiras.”
Atualmente, as cidades paraguaias que mais têm se destacado no setor confeccionista são Ciudad del Este, Puerto Franco e Hernandarias, a oeste do país, e San Lorenzo, Luque, Lambare e Pilar, vizinhas à capital, Assunção. Weber, do Braspar, diz que há uma parceria do Centro Empresarial com uma cidade paraguaia considerada “capital da costura”, onde a tradição da costura e do bordado é secular, com 12 mil costureiras preparadas para trabalhar na indústria, atuando hoje em cooperativas e em pequenas unidades, sendo a maioria individual.
MISSÕES EMPRESARIAIS E MÃO DE OBRA
De 2011 para cá, várias missões empresariais, especialmente da região Sul do Brasil, estão acontecendo, a fim de mostrar como funciona a produção no Paraguai. Isso se deve, além da facilidade de estarem próximos das fronteiras, pelos projetos de cooperação técnica entre o governo brasileiro e os países do Mercosul, que percebem a importância do fortalecimento e do favorecimento do ambiente comercial entre os países vizinhos. “Não podemos ter crescimento e desenvolvimento em nossos produtos se do outro lado da fronteira essa melhoria não é acompanhada nem percebida. No caso específico do Paraguai, com o qual o Brasil sempre teve um excelente relacionamento, a maquila tem sido um estímulo para investimentos de empresários brasileiros em vários setores, como o de confecção. Ter um ambiente em que se promovem isenção fiscal na transformação de produtos, mão de obra abundante, baixa carga tributária, acesso a linhas de crédito mais atraentes que no Brasil e acesso a outros mercados, como a China, sem dúvida tem contribuído para essa integração”, ressalta Schwanck.
A atuação do Braspar nessa frente de integração econômica entre Brasil e Paraguai vem mostrando que empresários brasileiros estão buscando essa alternativa no outro país também pela questão da falta de mão de obra na manufatura, pois os jovens, especialmente, vêm abandonando a indústria para trabalhar em lojas de shopping, por exemplo, mesmo com salário menor. Contudo, o que acontece no Paraguai é o inverso: em 30 anos, a população paraguaia triplicou e hoje 70% dela está na faixa dos 30 anos de idade, almejando um emprego formal na manufatura. O quesito “qualificação” precisa ser mais bem trabalhado, mas, segundo Weber, os jovens de lá querem e precisam do emprego, esforçando-se para aprendê-lo logo. Ele diz que em 2011 um sindicato paranaense conheceu seu projeto e solicitou uma missão ao Paraguai, pois em seu estado faltavam 5 mil operários só no chão de fábrica. Dessa missão surgiram nove parcerias entre empresas paranaenses e paraguaias. No entanto, empresas de Santa Catarina (principalmente) e São Paulo vêm aproveitando bastante esse incentivo. Weber conta que um empresário de Americana (SP) o procurou este ano pedindo ajuda, pois, num único dia, perdeu 39 funcionários para uma montadora automobilística, mesmo ao custo mensal de R$ 3 mil por funcionário. No bairro do Brás, uma empresa que antes importava jeans da China vai produzir no Paraguai, por meio de terceirização, 300 mil peças ao mês. Empresas mineiras também estão começando a procurar essa alternativa.
NO PAÍS VIZINHO
Empresas como Adidas, Kappa e Zara já se instalaram por lá. A Penalty também. Começou em 2009 com 90 funcionários e até o fim deste ano deve chegar a mil. A Bella Janela e a Nilcatex, ambas de Blumenau (SC) também resolveram apostar no Paraguai. “Podemos fazer maquila com uma empresa de 20 funcionários ou com uma de cem da mesma forma”, destaca Schwanck.
Ele relata que, quando um cliente seu deseja essa opção, o Institudo Horos, sediado em Foz do Iguaçu (PR), atua de duas maneiras. A primeira é conhecer o país onde se quer investir e, para isso, ter acesso a órgãos de classe, governamentais e, principalmente, no setor comercial da embaixada brasileira no país. A segunda é o estudo de viabilidade técnica e econômica, no qual serão apresentadas as informações necessárias ao formato de operação, tributação, custos, investimentos, mercado potencial e faturamento estimado.
O Braspar, entidade sem fins lucrativos que surgiu em 1999, com sede em Curitiba (PR) e representações em Maringá (PR) e Assunção, no Paraguai, foi criado para realizar um projeto de integração econômica Brasil-Paraguai, de maneira formal, sustentável, em que ambos os lados ganhem com o que cada um pode oferecer de mais vantajoso. Mas foi somente em 2009, com o apoio financeiro de Itaipu, que conseguiram iniciar o projeto. Hoje, sua atuação consiste nas seguintes formas: informação, por meio de estudos, palestras e informativos com as vantagens comparativas de negócios; assessoria para instalação de empresas, em parceria com empresas de consultoria nos dois países, ajudando o empresário brasileiro a se instalar no Paraguai e também exportar seus produtos acabados para aquele mercado; organização de feiras e missões empresariais específicas, como o evento anual Expo Moda Brasil-Paraguay, no qual empresários dos dois países se encontram para realizar negócios, além de visitas técnicas a indústrias paraguaias para ver seu funcionamento.
Weber diz que em 2009, quando iniciou o projeto, o Paraguai exportou US$ 11 milhões em confeccionados para o Brasil. Em 2011, foram US$ 38 milhões. Até julho deste ano, houve um aumento de 12%. Do volume total, 70% foi exportado por indústrias brasileiras instaladas no Paraguai, e a tendência é que essas vendas dobrem em 2013.
O comércio bilateral no setor somou, no ano passado, US$ 105 milhões, sendo metade de exportações brasileiras para o Paraguai. Se considerados os tecidos, o valor mais do que dobra. “O industrial brasileiro exige que o tecido venha de fornecedores do Brasil, como é o caso do jeans, considerado um dos melhores do mundo, e mesmo na moda praia e fitness. Como a redução de custos já é enorme, esse empresário não precisa apelar para o tecido chinês. Com a complementação produtiva, estamos ajudando o setor têxtil brasileiro que, internamente, sofre grande concorrência com os asiáticos”, pondera Weber. Segundo ele, a previsão é que em 2012 os negócios entre Brasil e Paraguai no setor confeccionista cheguem aos US$ 200 milhões.
O MADE IN PARAGUAY
Constar na etiqueta a origem do produto, como o Made in Paraguay, é uma das exigências para quem quer produzir naquele país por meio da maquila. Mas há preconceito em relação a isso? Weber e Schwanck juram que não, uma vez que novas marcas, das mais diversas nacionalidades, vêm movimentando o mercado mundial. “Em minha concepção, ter um produto com a etiqueta Made in Paraguay ou Made in China é a mesma coisa. Como consumidor, o que desejo é ter um produto de qualidade a preço justo, e essa qualidade temos percebido nas fábricas que se instalaram no Paraguai e produzem e exportam por lá”, diz Schwanck.
DIFERENÇAS DE CUSTOS
Para quem quiser produzir no país vizinho, há grandes incentivos dentro da Lei de Maquila, como: imposto único (1%); recuperação de imposto acima do valor agregado (IVA); suspensão de taxas alfandegárias; remessas ao exterior com isenção de impostos; taxa zero para o Mercosul, desde que atinja sua origem. No total, a redução chega a ser de 15% a 50%, dependendo do produto. Essa é a diferença de custos que se pode ter em artigos de vestuário produzidos no Paraguai frente ao Brasil, principalmente no que diz respeito à carga tributária e aos custos de mão de obra. E então, governo brasileiro: se eles podem, por que nós não podemos também?
Fonte: Site: Costura Perfeita