“Atender as necessidades de hoje, mas sem comprometer as necessidades das gerações futuras”, assim resumiu Albert Geber de Melo, diretor do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) o foco central das dicussões do Congresso Mundial da Associação Internacional de Hidreletricidade (IHA, em inglês), que aconteceu entre os dias 14 a 17 de junho, em Foz do Iguaçu.
O principal objetivo do evento foi discutir os aspectos socioambientais das hidrelétricas, em especial os usos múltiplos dos recursos hídricos, e a conservação da biodiversidade e da qualidade do ar, água e solo.
A maior preocupação demonstrada pelos participantes é de poder equalizar o melhor aproveitamento hidráulico dos rios, a crescente necessidade energética do mundo, mas sem comprometer o meio ambiente e, obviamente, a viabilidade econômica do negócio. De acordo com Israel Phiri, gerente do Ministério da Energia e Desenvolvimento da Água da Zambia, em muitos locais a questão da sustentabilidade só iniciou muito depois da implantação da hidrelétrica, mas que agora ela é essencial, não só para manutenção das usinas já implantadas, mas nos estudos e projetos que garantirão o futuro. Melo, diretor da Cepel, acredita que os projetos precisam estar equilibrados na eficiência da produção de energia, no impacto social e ambiental que geram e nos múltiplos usos da água.
“O setor energético tem parte do problema e também parte da solução, pois tem a tecnologia das energias renováveis e a hidroenergia é essencial”, disse Joan MacNaughton, vice-presidente sênior da Alstom Power. “A demanda de energia vai aumentar em 60% dos próximos 20 anos, o desafio é muito grande”, garantiu.
No Brasil os investimentos em hidreletricidade sustentável terão prioridade. De acordo com o secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia, Márcio Zimmermann, para acompanhar as atuais taxas de crescimento do país é necessário agregar cerca de 6.500 megawatts (o que equivale a praticamente uma nova Itaipu a cada dois anos) e esses investimentos estão sendo feitos, garante. O Brasil depende em cerca de 90% da produção de hidrelétrica, mas apenas 30% do seu potencial hidráulico foi aproveitado. Cerca de 70% do potencial está na Amazônia.
“Uma hidrelétrica, se tomados os devidos cuidados em todas as fases de seu projeto, pode ser um vetor de preservação ambiental. Os novos projetos hidrelétricos na Amazônia levam isso em consideração abrangendo, por exemplo, a preservação de vastas porções de florestas antes ameaçadas pelo desmatamento, ou ainda o tratamento de esgoto e de água em todas as comunidades do entorno, onde hoje apenas 5% dos cidadãos têm saneamento básico”, exemplificou o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim.
Entre os desafios da sustentabilidade está a equalização dos reservatórios – que influi nas áreas inundadas e todas as conseqüências práticas disso, como mudança dos grupos residentes, interferência ambientais do local e entorno – e de toda a bacia hidrográfica atingida. A construção das hidrelétricas há muito tempo deixou de ser apenas uma questão de produção de energia, para envolver todas as conseqüências que sua produção gera na sociedade, onde a sustentabilidade entre como foco central das discussões.
O presidente do IHA destacou o exemplo da Itaipu em relação ao papel de uma hidrelétrica como promotora de desenvolvimento social, envolvimento com a comunidade, integração regional e preservação do meio ambiente. Alguns dos projetos da binacional, inclusive, serviram como referência para os novos projetos amazônicos, como o Canal da Piracema, que permite a passagem de peixes migratórios, e que foi replicado em Santo Antônio e Jirau. “Itaipu é, sem dúvida, um modelo”, garantiu Abdel-Malek.
Projetos para poucos
Um dos entraves da sustentabilidade é o custo da sua implantação. Dentro de algumas realidades, o grau de exigência ultrapassa a capacidade financeira dos envolvidos. No entanto, acredita Phiri, gerente do Ministério da Energia e Desenvolvimento da Água da Zambia, os próprios agentes financeiros e governamentais já estão entendendo que essa equalização precisa ser revista. Para o diretor-geral brasileiro da Itaipu, Jorge Samek, a instalação das hidrelétricas em locais com capacidade geradora e consumidora é um negócio altamente rentável para a comunidade do entorno. “Um investimento do porte de Itaipu foi totalmente amortizado, já gerando benefícios num prazos de 50 ano. Tem outras usinas que conseguem serem amortizadas em 20 anos, mas ainda temos uma vida útil de no mínimo 200 anos. Que outro negócio consegue gerar energia e ainda fazer a distribuição de renda por um prazo tão longo? Você transforma o negócio inicial de produzir energia em uma alavanca de integração e desenvolvimento”.
Mas, assim como a produção da energia eólica e solar, que dependem da natureza, a hidráulica também é submetida à vazão dos rios. A despeito do sistema de integração brasileiro, com uma malha de mais de 100 mil quilômetros de linhas – que permite regular a produção de energia de acordo com a distribuição de chuvas ao longo de todo o território nacional, em muitas regiões, as hidrelétricas ainda são dependente de outros sistemas cuja relação custo/ambiental é discutido. O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Carlos Tucci, alertou que o sistema hidroenergético é dependente e todos os vetores ambientais precisam ser considerados. “O sistema é frágil, pois é sensível à seca ou mudanças climáticas, ou seja, ele fica mais dependente a cada ano e o preço na energia pode variar e dá uma vulnerabilidade a economia brasileira como reflexo”, alerta.
Para o professor há aí uma interconexão, pois não se constrói reservatórios de regulação, por conta das pressões ambientais, há apenas hidrelétricas com vazão, mas pouco volume e sensíveis as questões climáticas. “Há muitos anos o Brasil vem construindo termoelétricas para fazer essa regulação para os períodos de seca. Agora a questão é que cada vez mais eminente, pois as usinas estão sendo construída com reservatórios menores, ficando mais dependentes das térmicas”, adverte. Para ele, os novos projetos precisam equalizar três pontos: melhorar a previsão da vazão para gerenciar melhor o sistema, planejar a longo prazo e ver se tem usinas térmicas para garantir a produtividade da hidrelétrica. “Porque é mais caro não ter energia. Outro ponto que nos estudos de avaliação ambiental julgo necessário ver é se a hidrelétrica é uma estratégia do país e não apenas local. O Brasil evoluiu muito neste processo de análise, mas o volume continuam caindo em relação a capacidade instalada, então é necessário olhar para o futuro com outros olhos”, sugere.
Para proporcionar a sustentabilidade, a IHA, em parceria com construtoras, instituições de governo e organizações não governamentais – como a WWF e a The Nature Conservancy – lançou o Protocolo de Avaliação e Sustentabilidade da Hidreletricidade. “Trata-se de uma ferramenta que coloca diversos pontos da sustentabilidade de uma maneira muito objetiva e que permite um entendimento entre todas as partes interessadas, inclusive populações afetadas por projetos hidrelétricos, reduzindo a possibilidade de conflitos”, garantiu o presidente da IHA, Refaat Abdel-Malek.
Entre os quesitos que são avaliados em um projeto estão os seus benefícios, segurança da infraestrutura, viabilidade financeira, saúde pública, herança cultural, condições de trabalho, populações indígenas, biodiversidade, erosão e sedimentação, qualidade da água e gerenciamento do reservatório, entre outros. O protocolo já demonstrou bons resultados em testes aplicados em hidrelétricas na América Central e na Ásia.
Segundo David Harrison, especialista em hidroeletricidade da ONG The Nature Conservancy, com o tempo e dependendo de sua difusão no setor hidrelétrico mundial, o protocolo poderá se converter em uma certificação. Para garantir a correta aplicação do protocolo, a IHA irá estabelecer um conselho supervisor e treinar auditores independentes.
“A hidroeletricidade é, sem dúvida, uma das energias renováveis mais viáveis, mas ela não pode prejudicar esses mananciais. E o protocolo é uma ótima ferramenta para garantir isso”, afirmou o representante da ONG, David Harrison. Para o representante da WWF na formulação do documento, Joerg Hartmann, um dos principais benefícios do protocolo está na possibilidade de evitar conflitos e efeitos adversos sobre comunidades e meio ambiente quando do planejamento e construção de usinas hidrelétricas.
“Para as comunidades, o novo protocolo é um mecanismo que garante que suas demandas sejam levadas a sério desde os primeiros passos do empreendimento e não após a tomada de decisões cruciais pelos governos e companhias. Para as empresas, trata-se de uma ferramenta que evitará uma aventura por ‘elefantes brancos’, que irão provocar conflitos desnecessários e prejuízos futuros”, avaliou Hartmann.
O evento reuniu aproximadamente 500 tomadores de decisão na política internacional, agentes regionais, representantes da sociedade civil, ambientalistas, líderes do setor hidrelétrico e membros do setor financeiro.